Magali Abreu


Mar de saberes

“Fotografamos o que vemos e o que vemos depende do que somos” – José Medeiros

Sempre convivi com o mar, de certa forma ele faz parte de minha vida desde sempre.

Os pescadores e marisqueiras também estiveram presentes. Essa curiosidade velada me impulsionou nessa direção, para tentar perceber essa vida além da minha história.

Em 03 meses fotografando algumas comunidades de pesca artesanal em Salvador e no entorno, comecei a ouvir com outros sentidos, histórias de pessoas que lutam pela sobrevivência fazendo uso dessa cultura milenar. Elas deixaram em mim um pouco de suas vidas e de suas peles curtidas. Essa pouca convivência me ajudou a entender o papel do mar na vida delas, a entender por que ainda permanecem ali apesar de tantas dificuldades ou a não entender por que alguns abandonaram tudo para tentar outra vida.

Fico tentando resgatar todas as histórias que aos poucos vão se esmaecendo na minha memória, mas toda vez que revejo essas imagens me sinto novamente em frente a eles. Povo de fácil conversa, das crianças que se amontoaram quando me viram chegar com uma câmera, pedindo para serem fotografadas. Do seu Otavio com suas mãos calejadas, mesmo imerso no silêncio que a experiência lhe concede, deixou suave e amavelmente se fotografar. Pude perceber através das muitas marcas do seu rosto, uma vida desgastante pela labuta, mas igualmente digna e serena. Lembro também de D. Cutia e D. Tantan que me convidaram para entrar nas suas casas, deixando à mostra suas simples intimidades. A solidariedade é algo de chamar a atenção, as famílias se percebem além da pesca, elas possuem um estilo próprio de vida “organizado” em torno desse MAR DE SABERES que desliza por entre gerações, unindo pessoas e natureza. As relações exalam simplicidade, emolduradas por uma espontaneidade desconcertante.

Mesmo que o trabalho seja realizado quase sempre em grupo, alguns dominam os “segredos” da pesca, são os mestres e são respeitados por isso. Eles conhecem bem o mar, as marés, os manguezais, os peixes.

E é assim…, os homens, como Seu João e Seu Alexandre, com as redes de arrasto, tarrafa, linha e anzol, armadilhas, e suas canoas e barcos, cuidados com esmero e as mulheres com os filhos e mariscos, elas são boas nisso. Na hora de catar os mariscos…, parece uma roda de prosa, todas falando ao mesmo tempo. Ali elas desfiam suas mazelas e suas alegrias, compartilham tudo inclusive o pescado, as crianças chegam e saem despejando sua vibração e energia.

Agora…, quando olho para o mar, lembro daquela vida silenciosa quase transparente. Meu olhar passou a dialogar com o vento que vem desse mar, que sempre pertenceu de fato a eles. Gente de gestos e vida simples quase suave, de atitudes de quem sabe o que é ser companheiro, desse universo em que muitas mãos valem mais do que qualquer discurso e onde o silêncio, solidariedade e a experiência são bens reais e preciosos.

Vê-los a partir de agora vai deixar uma certeza de me sentir repleta…, repleta dessa lição de vida!!

Magali Abreu, foi aluna do Instituto Casa da Photographia