Marcelo Reis

IMG_0118

Fotógrafo | Vive e trabalha em Salvador

Diretor do Instituto Casa da Photographia, desde 1997 . Diretor do A GOSTO DA FOTOGRAFIA . Coordenador do Projeto Câmera Lata e da Revista Nuolhar

Nascido em Salvador, Marcelo Reis tornou-se fotógrafo no início da década de 90. Trabalhou na principal rede de lojas de fotografia da Bahia.

Em 1997 criou a Casa da Photographia, atualmente Instituto Casa da Photographia, que viria a ser uma das principais instituições privadas de fomentação da cultura fotográfica na Bahia.  Junto ao Instituto Casa da Photographia obteve reconhecimento nacional, através dos  eventos mensais com fotógrafos como Aristides Alves, Isabel Gouvêa, Adenor Gondim, Mário Cravo Neto, Walter Firmo, Devis Alan Havey (fotógrafo da revista National Geográfic), Evandro Teixeira, Nadja Peregrino, Angela Magalhães e o curador de fotografia Diógenes Moura, dentre outros.

Como fotógrafo, começou a expor profissionalmente também em 1997, na Galeria Esteio, na Vila de Sitio Novo, na Cidade de Catu/Ba, de lá pra cá já expôs em diversas galerias, Museus e salas de artes em Salvador e no Brasil, a exemplo da Galeria do ICBA,  ACBEU/BA, Arte Pará e o Museu de Arte de Belém. Expôs também na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador  e Brasília, Ecco Galeria de Artes de Brasília, onde realizou a exposição individual comemorativa aos 200 anos da abolição da escravatura no Brasil pelo Ministério da Cultura, como também em Salões de Arte de diversas regiões como Goiás, Rio das Ostras e Unama, no Pará.

Como diretor do A Gosto da Fotografia ao lado de Diógenes Moura, trouxe para Bahia importantes projetos de fotografia a exemplo de Geman Lorca; Família Chambi do Peru, Voltaire Fraga, Vânia Toledo, Pierre Verger,  Carlos Moreira e Ricardo Alcaide da Venezuela, Claude Lévi-Strauss, Marcel Gautherot, Jean Manzon, Antoiane D’Agata Bruno Barbey e Olivia Gay, todos fotógrafos da agência francesa Magno, dentre outros.

Atualmente Marcelo Reis é diretor do A GOSTO DA FOTOGRAFIA – Festival Nacional, coordenador do projeto CÂMERA LATA, editor da revista NUOLHAR, membro da Associação de Artes Visuais da Bahia, produtor cultural, , curador de fotografia, colunista e professor e coordenador geral do Instituto Casa da Photographia. Além de escrever textos críticos sobre fotografia para diversas exposições fotográficas, Marcelo Reis fotografa sobre a diversidade cultural do povo brasileiro.

________________________________

Mais sobre Marcelo Reis . por Silvia Nonatas

Fotografia de Marcelo Reis: o percurso criativo e sua materialidade

Silvia Nonata . Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP)  . Especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem (UFC/UFRJ)

Museu de Arte Moderna da Bahia

Fayga Ostrower (Criatividade e processos de criação) fala sobre a dificuldade em se entender o processo de criação (referindo-se à criação musical) quando se desconhece ou não se vivencia a materialidade. Ela  aponta uma solução: “o único caminho aberto para nós, seria conhecer bem uma dada materialidade no próprio fazer. Com este conhecimento e com a nossa sensibilidade, tentaríamos acompanhar analogicamente o fazer dos outros; sempre, é claro, por analogias de estrutura, e não de operações mecânicas” (1977:35).

O que a Crítica Genética faz é a recuperação desta materialidade através dos passos do criador para se chegar à obra. De certa forma, vivencia-se este fazer através dos documentos de processo (rascunhos, anotações, todo tipo de materialidade usado pelos artistas). Recupera-se esta vivência.

No presente trabalho, destacamos algumas características sinalizadas pela Crítica Genética para refletir sobre o processo criativo do fotógrafo Marcelo Reis.

– A construção do projeto poético;

– Os diálogos íntimos;

– A materialização sensível;

– Recursos criativos

Construção do projeto poético

Em toda prática criadora há fios condutores relacionados à produção de uma obra específica que, por sua vez, atam a obra daquele criador, como um todo. São princípios envoltos pela aura da singularidade do artista; estamos, portanto, no campo da unicidade de cada indivíduo. São gostos e crenças que regem o seu modo de ação: um projeto pessoal, singular e único (Salles:1998,37)

Cláudia Jaguaribe assim define suas fotos: “posso dizer que é um trabalho interpretativo. Ou seja, vou agregando todas as minhas vivências e dando uma forma por meio da imagem” (Persichetti:2000,156). Embora o fotógrafo realize fotos com diferentes objetivos, suas imagens refletem – e sucedem-se – formando um todo, que, único e singular, é regido por gostos e crenças – o conjunto de vivências do indivíduo.

Diálogos íntimos

Uma mente mostra reflexões de toda espécie. É o artista falando com ele mesmo (Salles:1998,43)

Para Luiz Carlos Felizardo: “uma das riquezas da fotografia é a capacidade de, ao transmitir o olhar do fotógrafo, transmitir a sua compreensão do mundo ou, ao menos, a natureza de suas interrogações sobre ele” ( Persichetti:2000,145).

Fotografar é um momento, acima de tudo reflexivo, em que o fotógrafo fala consigo mesmo, se interroga e passa essa interrogação para o mundo através da imagem. O que uma fotografia revela – muito mais que o referente – é o próprio fotógrafo. O retrato de uma pessoa revela o olhar que o fotógrafo teve desta pessoa. Márcio Scavone diz sobre o retrato: “um retrato fotográfico é sempre uma representação subjetiva, embora seja tão realista”  (Persichetti:2000,69).

No caso de MR, ele afirma:

“Eu prefiro não falar. Escuto. Escutar me dá mais segurança para que eu possa encontrar meu objeto a ser fotografado. Escutando, eu acho as respostas que são feitas pelo próprio silêncio. O diálogo é ao mesmo tempo um questionamento sobre algo. Não devemos questionar, devemos fotografar, fotografar e fotografar. Com as fotografias feitas, devemos escutá-las. O que ela me diz, eu aceito”.

Materialização sensível

O que se observa é a sensibilidade permeando todo o processo. A criação parte de e caminha para sensações e, nesse trajeto, alimenta-se delas (Salles: 1998, 53)

O fotógrafo Cristiano Mascaro faz uma analogia entre o fotógrafo e o escritor: “Quando o escritor quer dizer alguma coisa ele senta e escreve, o fotógrafo tem de sair à rua. Mas é o mesmo ímpeto de falar alguma coisa a respeito do mundo… Eles (fotógrafo e escritor) têm o mesmo objetivo, ou seja, tanto a fotografia quanto a literatura contam uma história. É a ânsia de uma pessoa que vê o mundo e quer transformá-lo pela sua linguagem” (Persichetti:2000,27).  A sensibilidade do fotógrafo percebe o mundo e quer transformá-lo. Transformar o mundo pela sua linguagem é voltar-se para si e suas sensações. É fazer um caminho: perceber, sentir o mundo e voltar a si, perceber-se enquanto produtor de uma linguagem.

Marcelo Reis sente que, em sua relação com a fotografia:

“Eu não a escolhi. Fui escolhido. Fui tirado de um ambiente industrial, colocado em um ambiente comercial, atrás de um balcão de um loja de fotografia. Tudo bem, escolhi estar ali. Mas poderia estar ali até hoje, tenho amigos que ainda estão lá. Fui escolhido por uma pessoa que nunca tinha visto antes para ensinar a fotografar e eu aprendi a pensar em uma possível fotografia. Um dia Walter firmo esteve na Casa e meses depois descobri nele o meu eu, a minha fotografia, que eu pensava ainda não ter nascido… já era um broto, uma semente, mas WF foi a luz que faltava para o crescimento. Eu não escolhi conhecer Walter Firmo. Ele escolheu ir lá naquele dia. Eu escolhi estar com ele e ter ele como minha referência na fotografia. Referência de pessoa e de fotografia. Hoje eu escolho o que quero ver. Se vou materializar, para mim não me diz respeito”.

Recursos criativos

Os recursos ou procedimentos criativos são esses meios de concretização da obra. Em outras palavras, são os modos de expressão ou formas de ação que envolvem manipulação e, conseqüentemente, transformação da matéria (Salles:1998,104)

Voltando às posições epistemológicas trazidas no começo do trabalho, quando a fotografia surgiu pregava-se que o pintor trazia a imagem na cabeça e o fotógrafo captava apenas. A distinção era: cabia “à fotografia, a função documental, a referência, o concreto, o conteúdo; à pintura, a busca formal, a arte, o imaginário” (Dubois:1994, 32). Pois bem, o fotógrafo Cláudio Edinger se refere assim à sua câmera: “Minha máquina fotográfica é um instrumento de conhecimento, uma picareta com a qual vou cavando dentro de mim…” (Persichetti:2000,126). É interessante notar que ele valoriza a máquina enquanto instrumento, e a analogia da picareta como algo muito concreto é muito boa para isso, mas não um instrumento de disparo ou captação de algo que está fora. Ele cava dentro de si. Essa forma que informa volta-se para dentro, como modo de expressão, ao mesmo tempo que transforma a matéria.

Marcelo Reis compara seu processo de criação a um eterno big bem:

“ Criamos algo que sempre sai de dentro da gente, uma obra. Criamos algo que se sai uma única vez de dentro de nós. Um filho, por exemplo. Em um processo de criação, devemos ouvir o som dos ventos. Devemos tentar entender para onde nossa obra quer ir. Não devemos levá-la a lugar algum. Uma obra, se for processo real, intra, se transmuta por si só. O artista, apenas detona dentro de si mesmo o caminho para o qual sua obra deverá seguir. É um eterno big bem. Estamos criando algo que tem uma vida própria, não devemos desviar os cursos dos rios”.

A percepção

Segundo Cecília Salles: “O desenvolvimento contínuo da obra deixa claro que não há ordenação cronológica entre pensamento e ação: o pensamento se dá na ação, toda ação contém pensamento” (Salles:1998,52).

Situaremos então o fotógrafo dentro do que propõe Fayga Ostrower, que considera o homem como um ser consciente-sensível-cultural. Como ser cultural, o homem age “apoiado na cultura e dentro de uma cultura” (Ostrower:1999,13). Ela entende por cultura: “as formas materiais e espirituais com que os indivíduos de um gurpo convivem, nas quais atuam e se comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para a geração seguinte… A percepção é a porta de entrada das sensações. Representa uma abertura constante ao mundo e nos liga de modo imediato ao acontecer em torno de nós”. (p.12).

Neste contexto, “a percepção é a elaboração mental das sensações. A percepção delimita o que somos capazes de sentir e compreender, porquanto corresponde a uma ordenação seletiva dos estímulos e cria uma barreira entre o que percebemos e o que não percebemos” (13). O fotógrafo Márcio Scavone afirma sobre o retrato fotográfico: “… um retrato fotográfico é sempre uma representação subjetiva, embora seja tão realista”(69).

No caso de Marcelo Reis, observamos algumas características de seu processo criativo. Abordaremos as seguintes:

1.    O contraluz

2.    O uso das cores

3.    Como a figura humana aparece em sua fotografia.

4.    A fotografia PB

1. O Contraluz

 

Se for ao pé da letra, o efeito de contraluz esconde porções da imagem fotográfica. Mas no caso de Marcelo Reis, ao invés de esconder, o contraluz revela uma maneira de ver o mundo. Ao ser questionado sobre o que ele “ revela “ com este seu contraluz, o autor afirma:

“ Existe um silencio que precisa ser escutado nas sombras. Na luz há uma explosão. Na sombra existe uma sinfonia. Quem questiona, pergunta, vai encontrar respostas nas luzes altas. Quem escuta, ouve das sombras uma possibilidade sublime de uma nova imagem, algo invisível criado do próprio visível. Nosso olhar condicionado por uma realidade “iluminada” esconde um mundo paralelo, claro aos olhos de quem observa com os ouvidos de um observador de pássaros”.

Tecnicamente, sabemos que o contraluz trata de uma subexposição. Do ponto de vista do processo de MR, a conseqüência é que a fotografia se transmuda em desenho. As formas (características da foto PB) encontram o volume (característica da fotografia em cor). A fotografia sai do registro para mostrar uma realidade íntima, uma visão do fotógrafo, a peculiaridade do seu olhar.

E como este olhar vê o mundo?

Ele o vê em contraluz.

Ele o vê fotograficamente. Inclusive sob a escolha de uma lente fixa – existe a escolha desta lente fixa. Mesmo através de uma lente fixa, seu mundo é cada  vez mais interior.

O contraluz delineia os elementos da imagem.

O contraluz cria o contraste – então há sempre um jogo entre sombra e luz – se na fotografia há que se dominar a sombra, MR “brinca” com a presença da luz e da sombra.

O que é mais interessante na imagem? O que aparece? A ausência ou a presença?

2. Cores


Filho fotográfico de WF, a presença da cor é muito forte em sua obra. Juntamente com a contraluz, as cores aparecem vivas, contrastantes, são elementos da imagem, não são acessórios.

Ele vê o mundo em cores. Mas não simplesmente as cores do mundo, mas as cores que suas lentes recriam. Por isso a cor também é seu personagem. Se no começo da carreira, é inevitável ver o olho do Mestre nas fotos de MR, 13, 15 anos depois, MR fala da diferença entre a cor de WF e a sua:

“Hoje minha cor tem ação. Existe uma ação sendo desenrolada dentro de uma cor, seja ela em contra ou a favor da luz. Hoje minha cor é coadjuvante de um ator maior chamado gestual. Penso agora uma fotografia que se move dentro de um espaço bidimensional, um retângulo.

O gestual de um personagem tornou-se mais importante do que a luz sob a qual ele se protege. Uma luz tosca, uma cor, suja, tudo isso aproxima um observador da ação. Minha cor não é mais pura. Não sou mais puro, não somos mais. Não sou mais capaz de ver as cores somente, sem uma reação dela qualquer que seja”.

 3.    Como a figura humana aparece em sua fotografia.


A figura humana – gestual do personagem –  também é presença marcante na obra de MR. Seja em retratos, seja compondo cenas. Elas aparecem desenhadas pelo contraluz, ou cheias de cor.

Aparecem em retratos, olhando para a câmera, aparecem em ângulos inusitados. Aparecem em ação, mas uma ação em si mesma, convertida em si mesma, na própria marcação do tempo.

As cenas são extraídas do cotidiano e levadas a uma outra dimensão.

A dimensão da criação, de seu percurso, de suas escolhas.

4.    Fotografias em PB


Sobre as escolhas que faz de uma foto em cor ou PB, Marcelo Reis explica:

“Eu as enxergo como são. Se PB ou cor, elas existem antes de ser fotografadas. As cor sempre foi som. O PB silencio. A cor convida, o PB se retrai. É preciso saber pisar para iscar a imagem em PB. Não basta só percebê-la, o mais importante é saber como captar. O PB é fruto de um amadurecimento. Um jovem não vê em PB, o PB se intensifica à medida em que cansamos da cor, à medida que ficamos mais íntimos da cor, mas percebemos o PB, à medida que os olhos se cansam para a cor, eles se abrem para o mundo paralelo das imagens em PB. Das cores em meios tons de preto e branco”.

Nas fotos em PB Marcelo Reis leva-nos a contemplar seu “desenho” de maneira ainda mais forte. Os contrastes se convertem em tons de cinza, que nos levam a um mundo mais onírico ainda.

A partir destas características, podemos dizer que do mesmo jeito que WF, MR também cria uma fotografia alegórica, ele também recria o mundo real.

veja mais no site Marcelo Reis